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quinta-feira, 28 março, 2024

Lugar de homem é na cozinha

A arte de combinar ingredientes e temperos tem atraído mais e mais homens

Em restaurantes ou em ambientes domésticos, é cada vez mais comum ver homens seduzidos pelo universo da Gastronomia. Seja para preparar refeições à família, para fazer aquela comida de boteco e receber os amigos em casa ou assinar o comando das mais finas cozinhas, os homens têm conquistado esse espaço, para criar e agradar paladares variados.

Muitos deles começaram bem novos, observando pais ou avós enquanto cozinhavam. Outros buscaram se especializar, fazendo cursos apenas para satisfação pessoal ou a fim de se tornarem profissionais e montarem os seus próprios negócios.

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Em 1998, o curso de Gastronomia foi implantado no Brasil por meio da Faculdade Anhembi Morumbi, em São Paulo. Regulamentado pelo Ministério da Educação (MEC), que identificou a necessidade de criar cursos de curta duração, conhecidos como tecnólogos, cuja duração é de apenas dois anos.

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Atualmente, existem mais de 270 universidades autorizadas a ensinar a magia de combinar ingredientes e temperos, tanto em grau de bacharelado como de tecnólogo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), das 789.229 matrículas na rede privada em cursos tecnólogos em 2016, 25.131 são para Gastronomia.

Entre os cursos de Gastronomia de destaque estão os das universidades dos Estados Unidos, da Itália e da França, que alinham a tradição ao que há de mais novo na culinária. A Culinary Institute of America (CIA) é hoje considerada a maior escola de Gastronomia do mundo. Não tem fins lucrativos e, desde 1946, forma jovens profissionais.

E no Espírito Santo, apesar do domínio ser ainda das mulheres nesse segmento, também cresce o número de homens que se especializam na arte de cozinhar.

Pioneirismo
Lugar de homem é na cozinha
Fonte: Infood

Há mais de 38 anos no mercado, o chef Juarez Campos é referência na Gastronomia capixaba e nacional. Hoje especialista em cozinha francesa e italiana, ele abandonou as profissões de farmacêutico e professor para se dedicar totalmente à paixão pela culinária.

Em meio às aulas que ministrava em curso preparatório para o vestibular, Juarez assistia aos programas de TV, participava de oficinas de Gastronomia e enfrentava jornadas de viagem para frequentar a oficina de culinária ministrada pelo chef Zé Hugo, no restaurante Clube Gourmet, no Rio de Janeiro.

Passou pelos restaurantes Grand Hotel Ca’d’Oro e Fasano, localizados em São Paulo. Estudou na melhor escola de cozinha italiana do mundo, a Piemonte, e fundou o restaurante Oriundi, em Santa Lúcia, Vitória.

Por volta dos anos 1980, quando começou a se interessar pela culinária, as mulheres dominavam as cozinhas industriais, relembrou Juarez. Por conta disso, o grupo Buaiz montou uma oficina de culinária, a fim de divulgar os produtos da marca. As aulas eram ministradas por Sandra Nazaré, primeira professora de culinária de Vitória.

“O curso era oferecido às mulheres e a Sandra não quis me deixar participar no início, mas insisti tanto que ela me autorizou a participar escondido no banheiro. Depois, acabei me enturmando com as senhoras e passei a fazer parte da turma”, contou Juarez.

Thiago-Correia
“A cozinha industrial sempre teve o perfil mais de mulheres, mas acho interessante que a profissão está englobando os dois campos, e o curso de Gastronomia é bem heterogêneo”, Thiago Correia, professor universitário (UVV e Novo Milênio)

Ele ressaltou que não era comum homens cozinhando naquela época. “Lembro que o Jornal A Gazeta quis fazer uma matéria sobre homens na cozinha e só tinha eu e o Gelson Junquilho, que era, inclusive, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Os homens gostavam mais de fazer um bom churrasco”, frisou.

Em 1990, o empresário José Antônio Pignaton o chamou para coordenar a cozinha do Leonardo DaVinci, primeira escola particular brasileira que ofertava alimentação aos alunos. “Montei a cozinha da escola, selecionei os funcionários que trabalhariam comigo, entre outras coisas. Foi um ano de muito aprendizado”, lembrou entusiasmado.

Gastronomia capixaba

A culinária capixaba tem impressionado muito em todos os lugares em que chega. Juarez Campos afirmou que muitos ingredientes utilizados nas receitas despertam a curiosidade. “As pessoas ficam impressionadas pelos produtos que temos utilizado, como os queijos e o socol, entre outros. Em todo lugar que vou, não faço comida italiana, faço comida capixaba”, contou o chef, que busca promover cada vez mais a Gastronomia do Espírito Santo.

“A família adora. Inclusive tenho tias que sempre perguntam se vou cozinhar ou não, pois já ficam esperando por um novo prato”, André Santos Bahia, psiquiatra

E destaca que o Estado ainda tem uma cozinha bem feminina. “As paneleiras de Goiabeiras, as desfiadeiras de siri e as moquequeiras são mulheres. Além disso, no Espírito Santo, temos de 12 a 15 chefs de alto nível, que não devem a nenhuma profissional do Brasil e nós não temos esse mesmo número de homens”, garantiu. A cozinha é deles!

A soma de quesitos como segurança, praticidade e até mesmo a relação custo X benefício tem levado muitas pessoas a preferir encontros mais intimistas. E para atender a essa demanda, a indústria da construção civil vem apostando em empreendimentos com espaços e cozinhas gourmet, o que abre um novo nicho de ação também para a Gastronomia. As construtoras, que têm contratado decoradores para garantir ambientes diferenciados, acolhedores para esse público, também têm convidado chefs para inaugurar esses espaços. “Já fiz algumas inaugurações de espaços assim. A lei seca também contribui para o sucesso desse modelo, pois os moradores podem cozinhar, beber e se divertir de forma segura. Tem uma turma, por exemplo, que se reúne todas as quintas-feiras e cada dia um morador é responsável por um prato especial”, destacou o chef Juarez.

Ele destaca que cresce também o interesse de homens em cozinhar apenas como hobby ou ainda utilizar a Gastronomia com uma ‘arma de sedução’. “Há os homens que gostam de receber as namoradas no apartamento com uma cozinha superlegal, entender um pouco de vinho, fazer uma comida especial para elas. Eles estão “deitando e rolando” com essa situação. É uma poderosa arma de sedução”, brincou.

E entre todas as atividades exercidas no universo da Gastronomia, ele criou a “Casa do Chef Juarez”, uma oficina para homens. “Ela funciona atrás do Oriundi e chego a dar aulas para duas ou três turmas. As aulas são temáticas e todos os meses elaboradas para que os participantes possam fazer as receitas facilmente”, garante.

Lugar de homem é na cozinha
Patrick Dornellas começou a cozinhar de forma despretensiosa, mas foi atraído pelo universo da Gastronomia, o que o levou a mudar de profissão
Culinária como terapia

Muitos profissionais costumam utilizar a gastronomia como uma “válvula de escape” para amenizar o estresse do dia a dia e não levar o trabalho para casa. São médicos, advogados e empresários que utilizam o tempo na cozinha como terapia.

João Carlos Peixoto Barbosa é psiquiatra há 40 anos. Mora no Rio de Janeiro, onde tem um consultório, mas vem uma vez por semana ao Espírito Santo para dar consulta e, quando não está viajando, vai para cozinha. “O primeiro prato que fiz, e que fez bastante sucesso, foi uma moranga recheada com catupiry e moqueca de camarão. Hoje, a família e os amigos me pedem, então cozinho por esporte. Não faço todo fim de semana, mas cozinho quando tem um evento. Então crio pratos, a esposa dá notas e ajuda bastante, inclusive”, afirmou Barbosa.

“A parceria com a Universidade da Califórnia foi muito importante e nos ajudou a ter um curso de excelência” Rosa Moraes, diretora de Gastronomia e Hospitalidade da rede Laureate International Universities Brasil

Como forma de sair da rotina, o psiquiatra André Santos Bahia, que atua há nove anos na profissão, também descobriu uma paixão pela cozinha. No começo, ele não tinha um livro de culinária, o que passou a buscar, com o tempo. Mas, até hoje, não costuma utilizar medidas para as receitas. “Faço as receitas muito no olho, então não sei bem a quantidade dos ingredientes, mas a família adora. Inclusive tenho tias que sempre perguntam se vou cozinhar ou não, pois já ficam esperando por um novo prato”, afirmou Bahia.

Rafael Torres Costa contou que não fez curso de Gastronomia, mas que abusa da intuição para cozinhar. Junto com um amigo, montou um restaurante em Vila Velha, mas preferiu se dedicar à carreira de marinheiro, na qual atua há 17 anos. Ele destacou que trabalha em um navio em que a maioria da tripulação é de russos. “Apesar de não ser minha função, sempre que posso cozinho para eles. Recentemente, o capitão me pediu para fazer uma moqueca. A reação foi a melhor possível. Essa é uma forma de valorizar a cozinha brasileira, e isso me dá orgulho. Faço com prazer”, relatou.

Segundo ele, os russos gostam muito quando têm a oportunidade de experimentar uma comida diferente. “Em 2016, fiz uma ceia de Natal. Como eles não têm esse costume de cear, adoraram o tanto de comida que fizemos. Não sobrou nada”, brincou ele.

Lugar de homem é na cozinha
Fonte: Infood

Patrick Dornellas integra o grupo de homens que começou a cozinhar de forma despretensiosa, mas foi atraído pelo universo de sabores da Gastronomia, o que o levou a mudar totalmente de profissão. Ele conta que o contato com a cozinha surgiu por necessidade, ao se casar muito novo e precisar que as habilidades culinárias entrassem em cena. “Na época, eu tinha 17 anos e a minha ex-esposa tinha 15, e ninguém sabia cozinhar. Desde então, decidi experimentar, testar ingredientes e temperos. Peguei gosto pela culinária e entendi que precisava estudar.
O primeiro curso foi de Confeitaria. Depois, também fiz o de Sushiman e me especializei em culinária mediterrânea, que tem grande aceitação em eventos privados e jantares em que casais celebram datas importantes. E esse é um nicho muito bom de mercado, gratificante, porque quando as pessoas gostam do que saboreiam, elas passam a te indicar para uma dezena de amigos”, garante.

Mas Patrick destaca que o fundamental é fazer aquilo que mais gosta. “Mas churrasco, faço desde criança com o meu avô, pois sempre gostava de ajudá-lo. E hoje é a minha especialidade. Trabalho com carnes e especiarias”, finalizou.

Lugar ao sol

De acordo com a diretora de Gastronomia e hospitalidade da rede Laureate International Universities Brasil, Rosa Moraes, em 1998, o então reitor da Faculdade Anhembi Morumbi percebeu que seria interessante implantar cursos de Gastronomia, Hotelaria e Eventos, já que a instituição ofertava apenas o curso de Turismo.

“Por ser a primeira escola de Gastronomia no país, fomos ao exterior fazer uma grande pesquisa e percebemos que houve um aumento considerável de faculdades de Gastronomia no início dos anos 1990. Queríamos encontrar uma que tivesse mais a ver com o nosso ideal. Então firmamos parceria com a California Culinary Academy (CCA), localizada em São Francisco, que nos serviu de guia e deu consultoria para abrir o curso aqui. Nossos professores foram capacitados lá e depois a CCA continuou nos dando assessoria por dois anos, fazendo um programa de capacitação chamado “training the trainer” (treinar o treinador), em que os chefs eram habilitados a dar aulas. Essa parceria foi muito importante e nos ajudou a ter um curso de excelência”, destacou Rosa.

Segundo a diretora, desde a implantação do curso, os homens respondiam por 60% da procura, mas esse cenário vem mudando. “Anteriormente a procura por mulheres era mais baixa. Nos últimos dez anos, podemos dizer que a procura está meio a meio”, argumentou ela.

“Apesar de não ser minha função, eu sempre cozinho no navio. Essa é uma forma de valorizar a cozinha brasileira” Rafael Torres Costa, marinheiro

Professor dos cursos de Gastronomia da Universidade Vila Velha (UVV) e Novo Milênio, Thiago Correia conta que no Espírito Santo o curso surgiu em 2003, sob a coordenação da chef Isaura Maria Pinho Caliari. Desde então, observou que o perfil dos alunos é misto e que todos têm muita vontade de aprender e de se especializar.

“Temos nas turmas desde adolescentes de 17 anos, que pensam em ser cozinheiros profissionais, a idosos que cozinham por hobby. A cozinha industrial sempre teve o perfil mais de mulheres, mas acho interessante que a profissão esteja englobando os dois campos, e o curso de Gastronomia é bem heterogêneo”, finalizou o professor.

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