26 C
Vitória
quinta-feira, 18 abril, 2024

Entrevista: Rafael Simões

Entrevista: Rafael Simões“Um democrata e humanista”, assim ele se autodefine hoje. Aos 45 anos, o secretário-geral da conhecida e atuante ONG Transparência Capixaba, Rafael Cláudio Simões, parece em paz consigo mesmo e com seus ideais. Formado em História, pela Ufes, onde também fez a especialização em História Social, desde 2000 ele ministra a disciplina nos cursos de Relações Internacionais, Economia e Comunicação Social da UVV. Rafael Simões é também membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e um dos fundadores da Transparência Capixaba, espaço que abrigou sua sede de melhorar o mundo e transformar ideias. Ao conceder esta entrevista à equipe da ES Brasil, ele comemorava por antecipação a aprovação (que realmente veio a acontecer, dois dias depois), pelo Senado brasileiro, do chamado “Projeto Ficha Limpa” (PLP 518/09), que impede a eleição de candidatos que tenham sido condenados em órgão colegiado da Justiça. Conheça um pouco mais do pensamento e das convicções desse capixaba “à moda antiga”, que sonha e batalha por um Espírito Santo cada vez melhor e mais justo.

ES Brasil: Como historiador, membro da ONG Transparência Capixaba e conselheiro da Transparência Brasil, qual sua visão a respeito da corrupção no Brasil e no nosso Estado?
Rafael Simões: Nós não temos um dado estatístico. Um indicador que demonstra que a nossa situação é, no mínimo, preocupante em relação ao Brasil, e pelo qual a gente pode fazer uma comparação, é a questão da compra de votos durante as eleições. Nós temos, por exemplo, uma pesquisa feita pela Transparência Capixaba em parceria com a Flexconsult nas eleições de 2006 e nas eleições de 2008 que mostrou que 15,5% e 15%, respectivamente, dos cidadãos foram abordados para vender o seu voto. Em pesquisa semelhante feita no ambiente nacional pela Transparência Brasil com o Ibope, esse número é de cerca de 8%. Portanto, vê-se que estamos num patamar superior, quase o dobro! Isso é um dado preocupante. É lógico que a situação mudou, mas as mudanças necessárias, na verdade, ainda não acabaram. Se a gente pensar no escandaloso número de cargos comissionados que existe, os indicadores apontam que a nossa situação ainda é ruim, mesmo tendo melhorado bastante. E nós temos um problema adicional, que é o fato de que, infelizmente, não conseguimos, mesmo de 2003 para cá, que a situação política e institucional se estabilizou, fazer um trabalho preventivo de combate à corrupção. Esse é um problema do Brasil inteiro. Agora, nós aqui teríamos condição para isso, porque havia uma amarração institucional que permitia um apoio político bastante expressivo. Não consigo avaliar por que isso ocorreu, mas, de todo modo, não conseguimos avançar numa política preventiva.

- Continua após a publicidade -

Mas sua expectativa é otimista ou não?
Eu tenho expectativas positivas. Eu vejo que nos últimos anos nós conseguimos avançar, e é importante chamar a atenção para isso também. É impossível imaginar que veremos mudanças enormes. Não estamos falando de um processo revolucionário, mas de mudanças progressivas, valores que você vai incorporando na sociedade efetivamente. Estamos num processo de construção, de conscientização, e a campanha Ficha Limpa demonstra isso, pelo grau de mobilização das pessoas. Elas estão se convencendo de que a corrupção atrapalha a vida, desvia dinheiro que poderia ser aplicado em serviço público, saúde, educação. Na semana passada a revista Época divulgou uma pesquisa da Fiesp que estimou o custo da corrupção anual no Brasil em 41 bilhões de reais. É muito dinheiro! E tem um outro problema: a corrupção impede uma disputa igual, porque favorece os amigos, os parentes etc. Corrupção não é só roubar. Corrupção é você ter um monte de cargos comissionados em vez de concursados. Existem vários tipos de corrupção, e ela vai afetando a vida das pessoas, porque vai implantando a ideia de que sempre se pode “dar um jeitinho”.

Muitos acreditam que há uma “tendência” à corrupção inerente à formação do brasileiro, em função de suas origens. O que pensa a respeito disso?
Eu acho que nós temos que tomar muito cuidado com essa afirmativa. A gente valoriza muito esse elemento histórico e acaba nos parecendo, ao longo do caminho, que há um componente de “DNA”, por assim dizer. Só que as coisas estão mudando. E aí eu queria adicionar uma outra questão: nós temos um outro problema; como a economia capixaba era muito pequena, o poder do Estado era muito grande, porque ele era um grande empregador e um grande consumidor. Isso vinculava as pessoas muito diretamente ao poder do Estado. Com a diversificação da economia e a formação de uma classe média mais independente, com empregos sem vinculação com o Estado, as pessoas ganharam mais autonomia para criticar, para cobrar. Essa mudança que está ocorrendo no Espírito Santo está permitindo que o cidadão se manifeste mais.

Você acredita que o financiamento de campanhas influencia de alguma forma o processo eleitoral? O sistema adotado pelo Brasil nesse aspecto deveria ser mudado? como e por quê?
O financiamento influencia, é um elemento chave. Muitas vezes o surgimento da corrupção política se dá no processo eleitoral, justamente nesse processo de financiamento. A gente precisa desarmar isso. Uma das ações importantes é tratar do financiamento de campanha. E aí vem a pergunta: qual é a alternativa? Existe um estudo da Unicamp que mostra que não existe nenhum sistema de financiamento que seja à prova de fraude. A questão fundamental é que nós temos que analisar que, mais do que decidir por este ou aquele modelo, o controle do modelo é que importa. Qual é o mecanismo que nós vamos ter para controlar efetivamente? A prevenção é muito importante. Você tem que punir o corrupto, mas não deixar corromper é melhor ainda. Se a gente for só prender, daqui a pouco vamos ter um sistema prisional lotado só de corruptos.

Qual a importância, para a sociedade brasileira, da aprovação do projeto Ficha Limpa pela Senado?
Eu fico muito feliz de estar participando disso. Quando nós entregamos as assinaturas, em setembro, o ambiente era totalmente adverso. O que aconteceu? A mágica foi a participação da sociedade. A esfera pública se manifesta em alguns momentos, e esse projeto conseguiu capturar a vontade da sociedade. A campanha tem caráter positivo, porque ela não é contra alguém, mas sim a favor de um novo comportamento público. O mais bacana de tudo é as pessoas verem que quando elas se juntam, quando colocam uma assinatura no papel, é possível mudar as coisas. Eu acho isso um elemento importante do projeto.

O Ficha Limpa segue agora para sanção presidencial. Qual a expectativa da Transparência Capixaba quanto à aplicação ainda nessas eleições? Se sancionado o projeto, você tem ideia de quantos candidatos a cargos eletivos no pleito de outubro ficarão de fora, no Brasil e no Espírito Santo?
Eu acho que o presidente Lula não vai ter a cara de pau de não sancionar esse projeto. Não tenho esse levantamento. Existia um levantamento anterior que apontava que pelo projeto original, da Câmara dos Deputados, seria coisa de 120, 130. Isso deve ter atenuado para algo em torno de 10%. No Espírito Santo nós estamos fazendo um levantamento de todos os processos que existem na Justiça,sem decisão e dos que estão tramitando. De vereador a governador do Estado, senador, suplente, prefeito, deputado estadual, deputado federal, secretários municipais e estaduais, desembargador, juiz, procurador, promotor, membro do Tribunal de Contas. Estamos fazendo esse levantamento, mas está no início. Vai ficar pronto lá para o final de junho. Vamos divulgar isso logo depois da Copa do Mundo. Claro que nós vamos adicionar a isso, quando os partidos anunciarem suas listas de candidatos, aqueles nomes que ainda não estiverem nas nossas listas. Nós vamos pegar e verificar.

A Transparência Jovem tem-se sobressaído na luta pelo Ficha Limpa. Como vê a atuação dos jovens, hoje, com relação à política? Há desinteresse ou não?
A Transparência Jovem foi um grande achado. Na verdade, a gente tinha há muito tempo a necessidade de uma movimentação específica, porque o jovem tem uma linguagem específica, uma relação específica com o mundo virtual, que a gente não conseguia dar conta. Quando a Transparência Jovem surgiu, no ano passado, para nós foi uma coisa bacana e eles têm agido muito. Mas ainda existe um desinteresse dos jovens pela política. Esse desinteresse é muito relacionado à atitude dos nossos políticos. Isso caba distanciando o jovem.
Como analisa a formação cívica do brasileiro? Você seria favorável à volta das aulas de Educação Moral e Cívica nas escolas, como já proposto por alguns?
Ai é que está o problema. O que nós fizemos? Nós acabamos identificando essas manifestações de cantar o hino, hastear a bandeira, como se fosse uma coisa da ditadura. A gente confundiu isso tudo. “Aula de educação cívica é coisa da ditadura, joga fora”. Não tinha essa compreensão de que o espaço público é um espaço de todos. Falta cultura cívica hoje. E aí nós temos um papel, que é trabalhar isso na educação, na família, estimular os filhos a lerem jornal, a se informar sobre os problemas.

Ainda com relação à formação política geral dos jovens: qual o papel que você atribui à mídia? E no processo eleitoral, como ela influencia?
A mídia tem um papel, mas ela cumpriu muito pouco. Nos últimos tempos, isso está mudando. Eu vejo com animação. E aí eu volto naquela discussão: como a economia privada está crescendo em relação à economia pública, isso dá mais independência à ação da mídia. Porque ela passa a depender menos de propagandas governamentais, verbas públicas, e, claro, passa a ter mais autonomia de ação, de cobrança, fiscalização. Agora, eu acho também que ela tem a possibilidade de aprofundar mais as questões. É uma informação bem básica, e quando você pergunta o porquê das coisas, o jovem não tem a menor idéia. O jornal, a revista, a TV e o rádio têm problemas do espaço. Já a internet, que tem espaço ilimitado, pode permitir aprofundar mais a informação.

[important color=blue title=Áudio]

Clique aqui e confira o áudio desta entrevista[/important]

Entre para nosso grupo do WhatsApp

Receba nossas últimas notícias em primeira mão.

Matérias relacionadas

Continua após a publicidade

EDIÇÃO DIGITAL

Edição 220

RÁDIO ES BRASIL

Continua após publicidade

Vida Capixaba

- Continua após a publicidade -

Política e ECONOMIA