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sexta-feira, 29 março, 2024

Entrevista com José Afonso Mazzon

Entrevista com José Afonso Mazzon“As grandes empresas não podem ‘fechar os olhos’ para a classe média emergente que nós temos no Brasil”

As transformações econômicas e sociais ocorridas no país na década passada e nesta década provocaram o surgimento de uma “nova classe média”, ou, mais precisamente, a inclusão de milhares de pessoas neste grupo, que tem poder aquisitivo maior que as classes D e E, e uma necessidade iminente por consumir. Essa realidade criou uma demanda por novas maneiras de se categorizar a população, considerando sua renda, já que o Critério Brasil, desenvolvido pela Agência Brasileira das Empresas de Pesquisa (Abep), tornou-se defasado ao desconsiderar as diversidades existentes dentro de cada faixa socioeconômica. Um estudo realizado por dois brasileiros especialistas em marketing – o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, José Afonso Mazzon, e o professor da Fuqua School of Business, da Universidade de Duke (EUA), Wagner Kamakura – propôs uma nova categorização da população brasileira, baseada nos dados das edições de 2003 e 2009 da Pesquisa de Orçamentos Familares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse novo critério, de acordo com os pesquisadores, será uma ferramenta muito útil no direcionamento das ações de marketing, como explica José Afonso na entrevista a seguir.

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Por que o senhor e seu colega, o professor Wagner Kamakura, resolveram fazer esse estudo? O que os provocou a criar essa metodologia?
Vários fatores nos fizeram refletir sobre a necessidade de uma nova metodologia. O primeiro deles é que o Critério Brasil de Classificação Socioeconômica, o modelo que existe hoje no Brasil, já é usado há mais de 50 anos, e tem uma série de pontos questionáveis. Por conta disso, existia um espaço para o desenvolvimento de um novo modelo, do ponto de vista científico. Outro fator que propiciou nossa pesquisa foi que tínhamos dados disponíveis no Brasil para isso. Precisávamos de duas POFs, de 2003 e de 2009, que foram disponibilizadas por volta de 2010, e foi nesse período que começamos a trabalhar em cima dessas informações. Outro fator que levamos em conta foi uma publicação da Associação Americana de Psicologia (APA), recomendando estudos de estratificação social, que são extremamente importantes. Além disso, pudemos observar que hoje cada país possui um critério diferente para estratificar sua população. Acredito que esse critério que nós estamos propondo pode ser expandido para outros países, de maneira a facilitar comparação, pelas empresas e pelos empresários, dos dados que possuem.

Qual a importância da segmentação do ponto de vista do marketing? Por que é importante segmentar?
Do ponto de vista de marketing, a segmentação serve para direcionar os gastos com propaganda, para saber qual o perfil do consumidor, serve para saber onde você vai distribuir o produto, serve para que você faça um teste e defina quanto o consumidor está disposto a pagar por um produto como esse que você pretende lançar. Então, a segmentação ajuda muito nesse sentido, de as empresas terem consciência sobre para quem elas vão direcionar o esforço de adaptar o produto, colocar o produto no preço adequado, selecionar o canal de distribuição adequado, fazer a propaganda adequada, selecionar um veículo de comunicação adequado, e assim por diante. A segmentação de mercado hoje é utilizada por quase todas as grandes empresas no Brasil, principalmente aquelas mais profissionalizadas.

Na defesa de seu estudo, o senhor diz que “a emergência de uma nova classe economicamente relevante requer o posicionamento de muitos negócios para suprir melhor suas necessidades”. Qual é essa nova classe? Quais os principais tipos de negócios que serão impactados por essa necessidade de reposicionamento e em que direção ele deve se dar?
A indústria brasileira, de modo geral, direcionou durante muito tempo suas ações de propaganda e seus produtos principalmente para as classes mais elevadas. Hoje, no Brasil, temos uma classe média, representada pelos estratos 3, 4 e 5 da nossa pesquisa, que corresponde a 56,2% dos domicílios brasileiros. A classe alta representa mais ou menos 12,5%, e a classe baixa, em torno de 31,3%. Esses números mostram que, na verdade, temos hoje uma classe média enorme no Brasil, formada por mais de 100 milhões de pessoas, que é maior inclusive que a população total de vários países europeus, como Bélgica, Holanda e Portugal. As empresas não só não podem mais negligenciar esse fato, como também podem começar a lançar produtos específicos para essa classe. Entre os negócios que serão impactados pela necessidade de reposicionamento, eu diria que estão, principalmente, aqueles produtos que até dez anos atrás ou menos eram pouco consumidos pela classe média. Produtos mais caros, a que as pessoas da classe média tinham um menor acesso, hoje estão sendo mais consumidos por ela, que está alocando mais dinheiro para isso. Isso significa que, se uma empresa hoje tem produtos que só atendem à classe alta, talvez ela possa lançar alguns produtos para atender também a essa classe média, porque ela representa um volume de negócios enorme aqui no nosso país. As grandes empresas não podem ‘fechar os olhos’ para a classe média emergente que nós temos no Brasil. Na nossa pesquisa, mostramos que de 2003 para 2009 houve uma mudança enorme na estrutura de consumo das famílias brasileiras. Isso faz com que o empresário tenha que refletir sobre a possibilidade de explorar também esse mercado.

Quais são as necessidades dessa nova classe que ainda não foram supridas?
Em uma pesquisa, questionamos onde estariam os gastos das pessoas caso elas recebessem 10% a mais. Na classe alta, os gastos com consumo não aumentariam, porque trata-se de um público que já está plenamente satisfeito. Na classe média, os maiores aumentos seriam na área de manutenção da casa; na área de acessórios de vestuário; na área de seguro-saúde; e na área de serviços profissionais, ou seja, você vai contratar alguém para realizar algum trabalho em casa, o que antes você não fazia. A classe baixa investiria esses 10% a mais principalmente em seguro-saúde. Depois vêm a manutenção da casa, a manutenção do carro, o investimento em acessórios e os serviços profissionais. Esses dados mostram que, provavelmente, esses seriam os maiores desejos de consumir. Não é necessariamente que a indústria não esteja atendendo a essas demandas, e sim que talvez os preços ou os produtos estejam inadequados, ou ainda podem estar ocorrendo falhas na distribuição, ou falta de propaganda, enfim, alguma coisa acontece para que esse produto não chegue satisfatoriamente ao mercado que demanda por ele.

Em que o método desenvolvido por vocês pode ajudar as empresas nesse reposicionamento? Por que ele é melhor do que o da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (Abep), que tem sido usado até então?
A Abep definiu o Critério Brasil baseando-se em dados das regiões metropolitanas do Brasil. Nós utilizamos dados que representam 104 mil famílias do Brasil, levantados pelo IBGE, e que não se restringem somente a regiões metropolitanas, incluindo cidades do interior e também habitantes do meio rural. Por isso, o nosso critério é mais representativo do Brasil. O Critério Brasil trabalha mais a questão da renda corrente, que é aquela renda que você recebe todo mês, e que é muito difícil de medir, porque se consideram, além do salário, ‘bicos’, comissões, aluguéis e outros meios de renda que porventura a pessoa possua. Baseamos nossas pesquisas no conceito de renda permanente das famílias, que é considerada analisando-se o que a pessoa recebe mais a capacidade que ela tem de consumir a longo prazo no futuro. Temos 36 variáveis no nosso modelo que estão mais voltadas a essa questão da capacidade de gerar renda do que de ter renda efetivamente. Se a pessoa perde o emprego, não significa que ela mudou de classe social. Se ela continuar desempregada por tempo indefinido, claro que ela vai deixar de consumir, mas do contrário, é provável que ela ainda tenha condição de gerar renda. Portanto, nosso critério é conceitualmente melhor. Do ponto de vista metodológico, o método estatístico que usamos é muito mais poderoso do que o método estatístico do Critério Brasil.

Como o novo método impactaria o mercado, principalmente as agências anunciantes e institutos de pesquisa? É preciso a aderência de todos para que ele dê resultados?
O nosso modelo trabalha uma realidade que os dados do Brasil inteiro mostram. É uma realidade elaborada a partir de uma mostra gigantesca de domicílios, ou seja, é uma coisa mais atual, mais robusta do ponto de vista metodológico, então ele pode ajudar as empresas em termos de segmentação de mercado. Qualquer empresário que queira lançar um produto novo no mercado, faz primeiro a pergunta: para quem eu quero vender esse meu produto? Será que é o público da classe A ou o das classes D e E (de acordo com o Critério Brasil)? Qual o tamanho desse mercado no Brasil? O nosso método vai mostrar o tamanho do mercado, e pode ajudar as empresas a caracterizarem melhor o perfil de cada um dos segmentos de mercado que existem no Brasil, e assim por diante. Ao mesmo tempo, não é preciso a aderência de todos para que o nosso critério dê resultados. O Critério Brasil pode ser calculado a partir do nosso. Para isso, falta colocar apenas uma variável, que é o grau de instrução do chefe de família. Tendo esses dois critérios, cria-se a possibilidade de fazer comparações dos resultados. Então, quando um instituto de pesquisa ou uma agência de propaganda utilizar o nosso método, vai ter melhores condições de saber qual o tamanho do mercado, e de fazer comparações.

Como se chegou à definição de que seriam necessárias pelo menos 14 variáveis para garantir a confiabilidade da metodologia? Quem deve usar 14 e quem deve usar 36?

O nosso modelo tem 36 variáveis em ordem decrescente de importância, e isso resultou de uma análise estatística que fizemos. Se eu usar todas as variáveis, eu tenho um determinado resultado. Agora, se eu retirar uma determinada variável, como por exemplo a variável rádio, que está presente no nosso modelo e também no Critério Brasil, e não é tão relevante porque está presente em quase todos os domicílios do país, não muda em quase nada a classificação. Da mesma maneira como essa, existem outras variáveis também. Elencamos qual é a primeira variável mais importante para definir classe. E com isso, chegamos a 14 variáveis. Muitas vezes, nas pesquisas, as pessoas não gostam de divulgar dados como renda bruta ou grau de instrução do chefe de família, por exemplo. Aí, porque faltam esses dados, você não consegue calcular pelo Critério Brasil qual é a classe econômica, mas nós conseguimos. Quando você usa as 36 variáveis, vai ter informações bem mais precisas, mas usando 14 não daria diferenças muito grandes, quaisquer que fossem essas 14 variáveis. E isso é muito bom porque, às vezes uma empresa faz uma pesquisa, e tem 20 dessas variáveis. Por outro lado, um instituto fez uma pesquisa usando outras 16 variáveis. Mesmo sendo essas variáveis diferentes, conseguimos chegar a dados comparáveis. O nosso método permite comparar pesquisas feitas por diferentes institutos e diferentes empresas em termos de critérios de classificação socioeconômica.

Em sua opinião, a parcela da população até então “negligenciada” pelas empresas (porque não identificada corretamente pelo Critério Brasil) representa um mercado de quantos milhões de reais?
Ainda não fizemos esses cálculos, mas se considerarmos que essa classe é composta por cerca de 100 milhões de pessoas no Brasil, você pode imaginar que esse mercado representa hoje uma renda per capita da ordem de aproximadamente R$ 700. Então, temos aí, mensalmente, cerca de R$ 70 bilhões em termos de consumo.

Como as empresas fornecedoras de bens e serviços adequados a esse mercado podem se beneficiar do novo método? Seria fácil para o marketing das empresas direcionar seu trabalho a partir da nova metodologia de classificação?
É fácil, basta utilizar as variáveis que estão ali nas pesquisas que eles fizerem. As empresas vão poder tanto fazer as análises usando o Critério Brasil quanto usando o nosso critério, e até fazer uma comparação de resultados entre os dois. Com isso, elas poderão se beneficiar.

Como aplicar o método? Por onde começar?
No dia em que divulgamos o nosso estudo, fizemos uma reunião na Abep com executivos de institutos de pesquisa, mostrando o que é o nosso critério. E nós vamos colaborar com eles no sentido de discutir como usar esse critério, de repente em conjunto, até, com o próprio Critério Brasil. Quem quiser utilizar esse critério deve pegar a metodologia que propomos e começar a usá-la nas pesquisas que fizerem. No artigo que fizemos, disponibilizamos o modelo de cálculo com mais detalhes. Deixamos também uma cópia de um software na Abep, desenvolvido para, com os dados da pesquisa, calcular em qual classe aquele domicílio se enquadra.

O Critério Brasil é criticado porque os bens e serviços utilizados ficaram defasados. Como garantir que esse novo critério também não fique “velho”?
Dizemos que o Critério Brasil está meio defasado porque ele precisaria incorporar coisas mais modernas, mais atualizadas, e precisaria ter menos subjetividade, um maior grau de precisão. A nossa ideia é, de cinco em cinco anos, quando são divulgadas as informações da POF, reaplicar esses novos dados, para verificar se a classificação que propomos vai mudar ou não. Nenhum critério vai sobreviver 50 anos no mercado, porque o mundo muda, então o critério tem que mudar também. A ideia é que, periodicamente, à medida em que você for tendo novas informações, use toda a gama de dados que o IBGE tem para fazer esses estudos.

 

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