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quinta-feira, 18 abril, 2024

Entrevista com Charles Tang: “Hoje a China busca um crescimento com qualidade”

Entrevista com Charles Tang: "Hoje a China busca um crescimento com qualidade”

Nascido na China, Charles Tang, emigrou aos seis anos de idade para os Estados Unidos, já que os pais, capitalistas, fugiam do regime comunista chinês. Formado na Universidade de Cornell (EUA) e doutor em Sorbonne (França), ele fez carreira como executivo na área de negócios na América do Norte, até que foi enviado ao Brasil pelo Deltec Bank. Foi responsável pelas primeiras operações de leasing realizadas em nosso país. “Primeiro você se apaixona pelo Brasil. Depois por uma brasileira. Aí já não tem volta”, brinca ele, que é casado com uma brasileira.

 

* Por Vitor Taveira

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Tang acabou ficando e hoje fala do Brasil como seu país. Reside no Rio de Janeiro e atualmente dirige uma empresa holding de ativos minerários e uma consultoria financeira internacional. Não se esqueceu de onde nasceu, e trabalha para a construção da aliança estratégica entre sua terra natal e a terra em que decidiu viver. É presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China (CCIBC) e escreve artigos para meios de comunicação como Folha de São Paulo, Estadão, O Globo e para o International Finance News, da China. Também lançou o livro “Aliança Brasil China – Uma Estratégia Para A Prosperidade”.

ES Brasil – Quais os principais fatores que explicam o crescimento econômico da China nas últimas décadas?

Charles Tang: O primeiro fator é uma política econômica pragmática em busca de prosperidade, divorciada de políticas ideológicas. Segundo foi a busca incessante por investimentos estrangeiros. Em terceiro, não estou falando por ordem de prioridade, mas a China até recentemente o governo tem atuado para baixar todos os custos e gerar riqueza via exportação.

Mas se antes a grande preocupação era perseguir altas taxas de crescimento, hoje a China busca um crescimento com qualidade, o que significa melhor distribuição de renda, menos poluição, menos consumo de energia, mais educação, produção com maior valor agregado, menor presença das estatais, gerando mais oportunidades para empresas privadas.

ESB – O que o Brasil pode aprender disso?

C.T.: O Brasil pode aprender os conceitos, porque o país é diferente da China. O primeiro conceito é parar com o modelo econômico de pobreza, que consiste em duas coisas: toda vez que nossa economia ameaça crescer, a gente aumenta a taxa de juros. Se a gente nunca permite o crescimento de nossa economia, nossa economia não pode crescer. Segundo, a gente tem que baixar o “custo Brasil”. A lei de relação trabalhista brasileira não mudou desde 1943, mas o mundo mudou demais desde 1943. Os impostos continuam sendo 60 impostos diferentes que consomem entre 35% e 40 % do PIB nacional. Estamos viciados neste modelo econômico de pobreza, afinal há trinta anos que a gente vive esse modelo.

ESB – Qual o lado negativo do crescimento chinês, que devemos evitar no Brasil?

C.T.: A China conseguiu avançar muito, mas também possui sérios problemas. Poluição, por exemplo, é muito forte. Agora que a China está rica ela está gastando milhões e milhões de dólares para combater a poluição. O governo fechou milhares fábricas que poluem e que consumem energia demais. Hoje a China é líder mundial de energia limpa, eólica, solar. Conseguiu criar novas indústrias que aumentaram sua economia, geraram empregos e tornaram o eólico e o solar barato para o mundo inteiro.

ESB – É simplório atribuir a competitividade chinesa ao baixo custo de mão-de-obra? Que outros aspectos favorecem a competitividade do país?

C.T.: A mão de obra é um dos fatores. Além dele, a China possui baixa incidência de imposto. Por exemplo, aqui no Brasil, a faixa é de 35 a 40% do PIB de impostos e tributos. Na China este valor é de 17% a 20%, ou seja, menos da metade. Os nossos encargos trabalhistas chegam117%, enquanto na China são de 59% . Então o “custo China” é baixo. A taxa de juros chinesa também é baixa, enquanto o Brasil quase sempre detém o titulo de campeão mundial em juros. O baixo custo da China ajudou quando ela não tinha nada, quando era muito pobre. Ela dependeu da atração de investimentos e da exportação para gerar divisas. Ela sabe planejar e normalmente as metas são cumpridas.

ESB – E qual a importância dos investimentos em infraestrutura?

C.T.: A China não tinha dinheiro para construir, mas tinha consciência da importância da infraestrutura. Quando era pobre, começou fazendo parcerias público-privadas (PPP´s) com empresas multinacionais. Em 30 anos, a China fez o que a Europa levou mais de 200 anos durante a revolução industrial. Hoje não precisa mais, mas assim ela começou com uma infraestrutura que permitiu o seu crescimento. No Brasil, temos uma infraestrutura que apaga nosso crescimento.

ESB – Qual o papel que os investimentos em educação ocupam neste projeto de desenvolvimento chinês? O país está preparando mão-de-obra para o novo perfil de sua economia?

C.T.: A China construiu milhares e milhares de novas universidades justamente para preparar sua mão-de-obra qualificada. Além disso, o maior contingente de alunos estrangeiros nos Estados Unidos e na Europa é de estudantes chineses. O país está preparando um contingente gigantesco de universitários para avançar com sua economia e cada vez ter mais qualidade em estado de arte e tecnológica.

ESB – Há uma mudança na mentalidade do empresariado brasileiro em relação à China?

C.T.: Está mudando totalmente. Há 28 anos que faço palestras, escrevo artigos nos jornais e digo para os empresários: não tem que ter medo do chinês, tem que usar o chinês para ganhar dinheiro. Cada vez mais os brasileiros estão seguindo este conselho A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) sempre batia na China, para tudo que acontecia de errado no Brasil a culpada era a China. Quando voltei de uma viagem para a China no início do ano passado, liguei a televisão e levei um susto, porque lá estava o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, dizendo que a culpa não era dos chineses e sim do “custo Brasil”. Isso foi muito bom, porque enquanto não reconhecíamos nossos problemas e culpávamos os chineses, a gente desviava o foco dos verdadeiros problemas que impedem nosso crescimento.

ESB – Para o empresário que quer investir na China, o primeiro passo é conhecer realidade chinesa? Como fazer isso?

C.T.: Todo semestre a CCIBC leva de 150 a 250 empresários para ver a feira de Kantão, que é a maior feira setorial do mundo, é tão grande que é dividida em três fases. Para empresários do mundo inteiro, inclusive do Brasil, deixou de ser uma opção, acho que todo empresário e executivo de nível hoje tem obrigação de saber o que a China faz, o que a China oferece e como a China pode ajudar a sua empresa. Nós temos, por exemplo, um programa chamado Brainstorming Estratégico no qual vou pessoalmente a grandes empresas e passo a manhã com sua diretoria para fazer o brainstorming de como o fator China pode ajudar a empresa brasileira a ganhar mais e crescer mais. Já fiz isso na Votorantim,Alcoa, Alstom, Braskem e outras.

ESB – Que precauções devem ser tomadas na hora de fazer negócios?

C.T.: Há empresários brasileiros que acham que sabem tudo, vão lá e quebram a cara. Teve uma pessoa que importou US$ 3 milhões em produtos químicos e chegaram tambores de água. Se tivesse procurado a Câmara para levantar a ficha do fornecedor dele, porque podemos tirar a ficha da empresa chinesa, ele provavelmente não teria sofrido esse prejuízo. Ou se tivesse contratado nosso engenheiro para inspecionar a fábrica e o embarque, teria gastado 300 ou 500 dólares, mas não teria tido o risco de perder US$ 3 milhões. É muito simples evitar, é só consultar a Câmara. Parte do sucesso dos negócios com a China passa por estar bem orientado.

ESB – E como saber como ter um bom trato com os empresários chineses?

C.T.: É bom saber um pouco de cultura comercial chinesa. Temos palestras aqui na Câmara que ajudam a facilitar isso. Por exemplo, eu dei palestras para a Fundação Dom Cabral e uma vez depois de uma palestra para presidentes de empresas que estavam indo para a China, me disseram: “Ainda bem que viemos para sua palestra. Estamos indo para a China na próxima semana e vamos mandar imprimir nossos cartões em chinês de um lado, vamos fazer tradução para o mandarim do material que vamos levar”. Porque a maioria dos chineses não fala inglês, assim como no Brasil, se alguém achar que vai conseguir fazer tudo aqui só com o inglês está enganado. Então como os chineses vão saber da existência de uma empresa brasileira se ele não bota uma explicação em chinês sobre a empresa dele e os serviços e produtos que oferece?

ESB – O país já possui um mercado consumidor considerável. Qual o perfil desta nova classe média e alta?

C.T.: Até pouco tempo atrás estes chineses eram novos ricos. Novos ricos querem do melhor. Suaram para ganhar seu dinheiro e agora que têm querem mostrar para o mundo que têm, querem tudo do melhor e do mais caro. Mas hoje o chinês está ficando cada vez mais sofisticado e começando a distinguir. As grandes marcas de luxo tem na China o seu maior mercado. Grandes marcas como Louis Vitton, Versacce, Armani, estão todas dependendo em grande parte do consumidor chinês.

ESB – Há uma expectativa de que em médio prazo a China ultrapasse os Estados Unidos como maior economia do planeta. Em que se pode esperar de diferente na liderança da China em relação àquela exercida pelos Estados Unidos?

C.T.: Em primeiro lugar, a China nunca foi expansionista, se você estudar a história da China, os europeus tiveram que usar a força dos exércitos para forçar o império chinês a vir para o mundo, porque o chinês era fechado para o mundo. Em segundo lugar, o dinheiro chinês só depende do preço e das condições. A China não vai interferir nos problemas internos de cada país, pois ela não quer ser a polícia do mundo. Ela quer sim fazer negócios, então o dinheiro chinês depende de dois fatores, enquanto o dinheiro europeu e americano depende de muitos mais fatores políticos além dos preços. Mas logicamente a China não vai tolerar que ninguém infrinja seus direitos e de sua soberania territorial.

ESB – E o que a China espera do Brasil?

C.T.: O Brasil sempre foi um grande parceiro da China. Quando a China vai bem, o Brasil é o país que mais se beneficia com o crescimento chinês. Por causa das exportações para a China, conseguimos durante a crise financeira de 2008 e 2009, juntar US$ 250 bilhões em divisas com nossas exportações para a China, que ajudou o Brasil a sair firme e fortalecido da crise. Conseguimos pagar toda sua dívida externa graças às exportações para a China. Também ajudara ao governo Lula a realizar a maior conquista social da história, que é a inclusão social de milhões de cidadãos brasileiros que não tinham água, luz, nem comida.

ESB -A China ainda é muito criticada por temas como a falta de liberdade e respeito aos direitos humanos. Como o senhor vê isso?

C.T.: Em uma das minhas primeiras entrevistas na BBC em 2006 o repórter britânico ficou surpreso com o que eu falei que ele escreveu um livro. Falei para ele que o governo chinês, sucessivos governos depois de Deng Xiaoping, fizeram as maiores conquistas em direitos humanos na história da humanidade. Ele ficou com os olhos arregalados, levou um choque. A China tirou 400 milhões de pessoas da pobreza para viver com um mínimo nível de dignidade humana. Ajudou, com as exportações e investimentos chineses na África, a tirar centenas de milhões de africanos da miséria para viver com um mínimo de dignidade humana. A China ajudou 40 milhões de brasileiros a sair da miséria. A China é campeão mundial de direitos humanos. A essência dos direitos humanos é a possibilidade de um ser humano de viver com um nível mínimo de dignidade humana. Isso a China proporcionou não só para os chineses, mas para o mundo.

Mas na China realmente você não pode votar, não pode de forma organizada contestar o poder do governo do partido. Não pode votar em políticos que vão te oferecer tudo, não vão fazer nada e vão roubar seu dinheiro na sua cara impunemente. Isso você não tem direito de fazer. Mas você tem direito de ser milionário se quiser.

ESB- Quais os efeitos positivos e negativos da entrada dos produtos chineses para o Brasil?

C.T.: Os positivos são muitos. Ajudou a democratizar a posse e propriedade de bens que eram somente acessíveis à elite brasileira. Hoje todo mundo pode ter uma televisão, uma geladeira, eletrodomésticos, porque o preço despencou, especialmente por causa da concorrência chinesa. Veja o caso dos automóveis, há alguns você podia comprar o carro nacional mais básico R$ 27,9 mil. Quando a Chery lançou colocou no mercado um automóvel completo por 23 mil, com freio ABS, CD player, ar-condicionado, vidro elétrico, os carros brasileiros baixaram de preço também.

Sobre os efeitos negativos, se você achar que o “custo-Brasil’ é culpa dos chineses, então você pode culpar os chineses pela desindustrialização brasileira. Mas se você achar que o “custo Brasil” não tem nada a ver com os chineses, porque dificilmente um chinês vai poder mandar o Brasil aumentar seu custo e ter um custo elevado, que aliás, já existia antes do comércio do Brasil com a China ser intensificado. Então o problema é do nosso custo-Brasil. Se a indústria brasileira tiver chance de ter competitividade, não vai ter tanto medo da concorrência chinesa.

ESB – A pauta do comércio exterior entre os dois países mostra grande diferença. O Brasil exporta 82% de produtos básicos, enquanto que a China exporta quase em totalidade de manufatura. Não é uma relação desigual?

C.T.: Eu discordo completamente desta visão. Sabe quantos bilhões de dólares foram investidos em pesquisa agrícolas? Para gerar sementes com menor duração de cultivo, maior resistência a pragas, etc. Os preços de commodities nestes últimos anos nunca foram tão altos na história do mundo, por causa da alta demanda chinesa. Nós exportamos produtos altamente básicos com valor agregado de bilhões de dólares de investimentos científicos que foram injetados neles. A Embrapa é uma prova disso. Os produtos que a gente importa da China os chineses tem margem mínima de lucro, os chineses ganham em volume. A gente tem muito mais valor agregado em produtos que nós exportamos para a China do que o que importamos de lá. Eu não sou um dos brasileiros que desdenham o que tem salvado a economia de nossa nação que é a exportação de commodities, que estão cada vez mais sofisticados.

ESB – Por sua localização e logística, o Espírito Santo é candidato a receber investimentos chineses?

C.T.: Eu acho o Espírito Santo um excelente lugar para investir. Eu estou pessoalmente recomendando a várias indústrias que se estabeleçam no Espírito Santo. Por exemplo, no Norte do Espírito Santo há todos os incentivos da Sudene. O governador Renato Casagrande é nosso presidente honorário para o Espírito Santo. Na época em que ele era senador, o embaixador chinês entregou o diploma da nossa câmara para ele como presidente honorário da Câmara. Pretendo fazer uma visita ao governador com empresários chineses porque estamos recomendando que eles devem investir no Espírito Santo. Da mesma forma que enviei o último investimento para o Mato Grosso do Sul pretendo levar montadoras de caminhão, de ônibus, de automóveis para o Espírito Santo.

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