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quinta-feira, 25 abril, 2024

Entrevista com Augusto Cury

Entrevista com Augusto CuryDizem que Augusto Cury, 54, já vendeu 16 milhões de livros só no Brasil. O Colecionador de Lágrimas (Editora Planeta do Brasil), sua 31ª obra, recém-lançada, deve percorrer o mesmo caminho de O Vendedor de Sonhos: O Chamado (2008), até então seu maior sucesso. Seus livros são publicados em mais de 60 países, o que o coloca em destaque no ranking dos mais conhecidos e reverenciados autores brasileiros do planeta, sempre pautado na área da qualidade de vida e do desenvolvimento da inteligência.

Com todo este currículo, o médico, psiquiatra e psicoterapeuta não encontra muito tempo para conceder entrevistas em seu país de origem: “Recentemente, rodei parte da Europa e Ásia em palestras de divulgação e conferências”, diz ele ao telefone, após semanas de negociação. Mas, seduzido pelo tema da entrevista, Cury conversou por cerca de 50 minutos sem perder o fôlego. É o conteúdo dessa conversa, que aborda a educação no Brasil, do ponto de vista da formação do caráter emocional dos alunos, que você lê a seguir.

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No seu mais recente livro, o senhor afirma que o Holocausto foi um dos maiores crimes da humanidade, e que só ocorreu por que a sociedade alemã desprezou a educação. Como o senhor vê a educação clássica atual?
Os alemães desprezavam não os valores da chamada educação clássica, aquela que é passada às crianças na escola. Eles desprezavam mais: desprezavam os valores fundamentais que a educação clássica não promovia, e não promove até hoje, de maneira intensa. Observe, eu visitei os mais de 60 países em que meus livros são publicados e onde dei conferências. Eu debato com cientistas sociais, jornalistas e outros e percebo que a educação mundial ensina crianças e adultos a conhecer as entranhas do pequeno átomo que nós nunca veremos, até as dimensões do espaço, que nós nunca pisaremos, mas não nos ensina a conhecer o planeta psíquico em que nós vivemos. Essa é a minha crítica. Em outras palavras, na escola nós não aprendemos, não desenvolvemos as funções mais complexas da inteligência, como por exemplo, como nos colocar no lugar dos outros, ou mesmo pensar antes de reagir. São mais do que valores, é mais do que ética. Seria, na verdade, o desenvolvimento do ser humano como pensador, como ator social.

Qual o papel dos pais nessa história?
Pais que são manuais de regras do que é certo e errado estão aptos para conviver com máquinas, mas não para educar seres humanos. É necessário que os pais cruzem sua história com a dos seus filhos. Que eles falem de suas lágrimas para que seus filhos possam aprender a chorar as deles. Pais e professores deveriam falar também dos seus fracassos e dificuldades, para que seus filhos e alunos entendam que ninguém é digno do pódio se não utilizar seus fracassos para conquistá-lo.

E a questão dos limites? Como estipular o limite a ser dado às crianças quando ainda estamos discutindo, por exemplo, a “lei da palmada”( PL 7.672/2010)?
O problema é que os erros que estão ocorrendo no Brasil, no que diz respeito à formação de pensadores, também estão ocorrendo nas melhores sociedades, naquelas em que os alunos têm os melhores índices nas mais variadas disciplinas. Ocorrem, por exemplo, nos países nórdicos (Suécia, Noruega e Dinamarca) e também no Japão e Coréia, em que há uma cultura das mais respeitadas no mundo. A minha crítica é que, embora o Brasil esteja ocupando uma posição vexatória no ranking de educação da Unesco (o país ocupa a 88ª posição entre 127 pesquisados), os mesmos erros estão sendo cometidos nestes lugares que citei antes. Lá, como cá, eles não estão aprendendo a pensar como espécie. Eles não estão desenvolvendo a capacidade de resiliência, que é a capacidade de lidar com perdas e fracassos e transformar o caos em capacidade criativa, eles não estão desenvolvendo o altruísmo. Não é possível prevenir a psicopatia, a formação de psicopatas, a formação de bullying, se nós não aprendermos a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro para perceber as dores e necessidades deles. Como também não é possível nós aprendermos a proteger nossos sentimentos e emoções dessa forma.

Como, no ambiente de uma escola tradicional, isso pode ser mudado?
Uma das minhas bandeiras é que é necessário dar aulas específicas nas escolas sobre o funcionamento da mente e o desenvolvimento da inteligência, e não apenas ensinar química, física, matemática e outras competências técnicas. Pelo menos uma vez por semana crianças, adolescentes e universitários deveriam aprender como funciona a mente humana. Por exemplo, eles deveriam entender que a história existencial de cada ser humano – inclusive dos grandes pensadores, como Albert Einstein, Freud, Kant – não foi feita sem traumas, crises e grandes frustrações. A agenda de cada ser humano passa pelo drama e pela comédia, risos e lágrimas. Não há céu sem tempestade nem caminho sem acidentes. São sucessos e fracassos. Frustrações. E isso se torna mais necessário ainda quando se vive numa sociedade em que só o belo, só a vitória, só a riqueza, são estimulados, como se a dor não existisse. Ocorre que a sociedade moderna passa a ideia de que tudo é rápido, urgente, tudo tem que ser pronto. Na realidade, para desenvolver capacidade de escolha, afetividade, sensibilidade etc., é necessário elaborar experiências de maneira mais lenta.

Mas para que haja uma “escola da inteligência” dentro da escola tradicional há que se ter professores preparados.
Com certeza. Mas nós já estamos fazendo isso com mais de 30 mil alunos do ensino público, do ensino privado e até em orfanatos com os projetos da Escola da Inteligência (Instituto que Cury preside, com sede no Estado de São Paulo). Estamos com escolas em dois estados: Goiás e São Paulo. Os professores da própria instituição estão sendo treinados para que possam aplicar o material pedagógico, que tem psicologia social e educacional aplicada, filosofia e sociologia. Isso faz com que as crianças aprendam a gerenciar seu estresse, aprendam a filtrar estímulos estressantes, aprendam a lidar com a culpa que atormenta tanta gente. A culpa, se for intensa, produz um volume de tensão tão grande que bloqueia várias outras janelas. Produz doenças e gera autopunição, irritabilidade intensa, agressividade e até o suicídio. Aliás, os números de suicídio no mundo atualmente são alarmantes. Cerca de 10 milhões de pessoas tentam se matar anualmente. Desse total, cerca de um milhão conseguem. Uma pessoa a cada minuto desiste de viver. Isso é terrível.

Como o senhor vê o modelo atual de ensino no que diz respeito à formação da consciência crítica desses alunos?
Isso é gravíssimo e não é só no Brasil. Recentemente, estive na Coreia, onde recebi um prêmio de melhor livro de ficção do ano (pela obra intitulada O Vendedor de Sonhos: O Chamado), e percebi lá também que nós estamos criando um exército de repetidores de informação, e não de pensadores. São mentes que podem ser adestradas porque não têm consciência crítica. São autômatos. Obedecem a ordens sem questionar. Estão sendo preparados para o mercado de trabalho, e não para serem autônomos, com capacidade de escolha, com compromisso com a sociedade. É gente que não vai ter compromisso com a humanidade a longo prazo, que não pensará no meio ambiente, numa economia de baixo carbono. É o que digo no meu livro que está sendo lançado agora, O Colecionador de Lágrimas. Aquela juventude adestrada pela nazismo de Adolf Hitler, no passado, tem o mesmo perfil da juventude atual. Ou seja, ela não tem capacidade de reflexão. Numa situação de alto estresse, como a Europa está vivenciando agora, por exemplo, não terá uma juventude capacitada para perceber a ação de políticos psicopatas, populistas. Gente que acaba vendendo idéias mágicas para solucionar problemas graves. Prova disso é que, em recente eleição na Grécia, o partido neonazista Chryssi Avgi (Crepúsculo Dourado) conseguiu 21 cadeiras no Parlamento.

Embora toque em assuntos dramáticos, seus livros e palestras terminam sempre com uma mensagem de esperança. Portanto, o que fazer para mudar este quadro no Brasil?

Em primeiro lugar, temos que dobrar o orçamento para a Educação no Brasil. Nós deveríamos passar para 8% do PIB, estamos em 5% do PIB. Outra coisa, os professores têm que trabalhar metade do que trabalham e ganhar o dobro, porque eles são “cozinheiros do conhecimento”, que preparam o alimento para uma plateia que não tem o menor apetite. Os professores deveriam ser honrados como os profissionais mais importantes da sociedade. Acho ainda que os diretores das instituições de ensino deveriam ter autonomia para contratar professores, treiná-los e aparelhá-los para que os alunos desenvolvam o que Platão chamava de “deleite do prazer de aprender”.

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