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quinta-feira, 28 março, 2024

El día que me quieras …

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Argentina se mantém arrumando a casa para receber investimentos que podem chegar a US$ 5,6 bilhões

O senso comum alimenta rivalidades entre Brasil e Argentina, principalmente no futebol. Mas competitividades à parte, a eleição de Maurício Macri lá e a crise cá têm levado a muitas comparações entre as duas realidades. Análises publicadas no início do ano no país dos “hermanos”, no Uruguai e nos Estados Unidos indicavam uma inversão de papéis, com o Brasil deixando de ser a “bola da vez’’ e a Argentina entrando “em alta’’. Segundo o Financial Times, “o Brasil começa se parecer com a Argentina de 2001, e a Argentina, sob o comando de Macri e sua promessa de uma política econômica mais ortodoxa, está começando a se parecer com o Brasil de 2002, quando Lula ganhou a presidência ao combinar promessas de justiça social com políticas econômicas equilibradas’’, diz, em referência ao ano em que a crise vizinha se aprofundou e que consolidou nossa ascensão no cenário global.

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O que surpreende é que, apesar de ser uma economia maior, com mais reservas internacionais (US$ 376 bilhões contra US$ 28 bilhões) e ter ratings de crédito melhores junto a todas as maiores agências classificadoras, o Brasil está perdendo dinheiro estrangeiro, enquanto a rival está ganhando. Como explicar isso?

Durante seus oito anos no Governo, a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner implementou políticas comerciais protecionistas visando a reforçar a indústria local e aumentou os gastos sociais para tentar ajudar milhões a saírem da pobreza, após a devastadora crise de 2002. Com os altos preços mundiais de grãos, seus primeiros anos no poder foram de crescimento econômico. No entanto, o boom das commodities, os gastos elevados do Governo e os controles da moeda contiveram o avanço e elevaram a inflação para acima de 30%.

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Com um perfil mais liberal que sua antecessora, Macri venceu o pleito prometendo recuperação, uma manobra que vai demandar habilidade para manter as conquistas sociais da última década e evitar outra turbulência. Após seis meses no poder, ele suspendeu o imposto sobre exportação de carne, trigo e milho como parte de seu plano de revitalizar o setor agrícola, e flexibilizou as restrições no mercado de câmbio, o que levou a uma forte desvalorização do peso argentino. Entrou em acordo com os fundos americanos que possuíam os títulos da dívida pública e realizou o primeiro pagamento em abril. Dessa forma, o país volta ao mercado internacional de crédito.

As medidas pretendem restabelecer a confiança dos investidores e da própria população, alimentando assim um otimismo sobre o futuro, mesmo com um crescimento negativo de –1% previsto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2016. É o cenário de um país em situação pior que o atual contexto da economia brasileira, mas com perspectivas positivas de mudanças.

Crise e percepção da economia
Enquanto isso, o Brasil enfrenta uma das piores recessões de sua história. O PIB deve ter queda de mais de 3% este ano; o desemprego alcançou um dos maiores patamares, 11,2% no mês de abril; e a inflação acumula alta de 9,32 % nos 12 meses até maio.

Mais do que gerar meramente um efeito econômico, diversas políticas nesse campo também afetam a percepção da população local e externa sobre as autoridades monetárias e/ou fiscais. É através delas que o Governo pode ganhar ou perder credibilidade, atingindo as expectativas dos agentes financeiros. É mais fácil convencer alguém a disputar um jogo quando as regras são conhecidas.

Não há dúvida de que, com o fim das restrições cambiais, uma maior transparência das instituições e o ajuste das contas públicas reequilibrarão o ambiente macroeconômico na Argentina. Entretanto, é preciso levar em conta que os ajustes serão difíceis e custosos, considerando necessidade de correções no mercado cambial, diminuição de subsídios e realinhamento de tarifas públicas – a energia já teve um aumento de 250%, a água e o gás, entre 216% e 375%, e os combustíveis, de 12% –; tudo isso em meio a uma inflação próxima a 30% ao ano e escassez de reservas internacionais.

O ministro da Fazenda e Finanças, Alfonso Prat Gay, disse em Madri, Espanha, em maio, que o objetivo é chegar a 2019 com uma inflação de 5% – a estimativa para 2016 é de 25%. “Faz 15 anos que estamos à margem do mundo. Crédito para infraestrutura e desenvolvimento para a nação é o que precisamos para crescer e gerar emprego”, afirmou.

No Brasil, as incertezas sobre o andamento do ajuste fiscal e as desconfianças sobre a situação política do país podem gerar um impasse para o retorno do crescimento. Para as três maiores agências de risco do mundo, a Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s, mais do que um governo Dilma Rousseff ou Michel Temer, é crucial que Brasília empreenda reformas, sobretudo fiscais, para sanar o déficit e retomar os avanços e os investidores estrangeiros. Diante das dificuldades de executar tais mudanças num cenário complexo, seja com o PT ou seja com PMDB no comando, a previsão das agências é de manutenção da crise econômica pelos próximos dois anos.

Negócios bilaterais
A aplicação de uma série de medidas de restrição contra as importações protagonizada pelo governo de Cristina Kirchner provocou uma queda na entrada de produtos brasileiros no mercado argentino nos últimos anos, aliada à concorrência com os itens chineses, que ganharam espaço no mercado vizinho. Em 2015, a fatia do Brasil para a Argentina representou 21,8%, enquanto a dos países asiáticos, 29,5%. Em maio as exportações brasileiras para o parceiro de Mercosul superaram as importações, com um pequeno incremento de 2,27%, enquanto os desembarques baixaram 23% em relação ao mesmo período de 2015.

Na opinião do economista e professor dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, a melhoria da relação bilateral não deve ocorrer no curto prazo. “A Argentina ainda enfrenta problemas no cenário econômico e, enquanto o quadro de recessão se mantiver, isso vai demandar um pouco mais de tempo. Mas como Macri acena para menores obstáculos, a expectativa é de que as barreiras extratarifárias sejam flexibilizadas. Isso vai depender do cenário dos dois países”, explica.

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No comércio com o Espírito Santo, a Argentina ocupa a 3ª colocação entre os países dos quais o Estado mais importa e a 10ª entre os exportadores, de acordo com dados do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação (Sindiex).

As vendas externas capixabas, em que predominam o minério de ferro (72% das vendas), café, granitos trabalhados e pimenta, tiveram um desempenho negativo de quase 50% este ano, motivado pela baixa na demanda do minério de ferro. “Houve redução na demanda chinesa e queda nos preços das commodities, o que impactou principalmente o minério de ferro”, reforça o presidente do Sindiex, Marcílio Machado. O acidente da Samarco ocorrido em Minas Gerais e que atingiu no Espírito Santo também prejudicou as transações do insumo. Machado estima que o impacto pode gerar uma perda equivalente a US$ 358 milhões no ano nas saídas de mercadorias para os países da América.

Os argentinos compraram 3% do total que sai do Estado, mas Machado acredita que pode haver melhorias nessa relação. “Com a política de Macri mais pragmática em relação aos negócios, vários segmentos de mercado podem ser explorados, como a indústria de confecção, moveleira e de calçados. Os empresários capixabas devem participar de missões comerciais e tentar conhecer melhor o mercado argentino, visando a exportar produtos de maior valor agregado. Mesmo demandando algum tempo para eliminar as estruturas criadas pelo governo Kirchner, é preciso se antecipar ao futuro e agir rápido para conquistar um público com muitas semelhanças culturais. Se não o fizerem, outros o farão, como os chineses, que já estão se expandindo fortemente na América Latina”, diz.

Nas importações, os principais itens que os capixabas consomem são automóveis, malte, leite integral e trigo. Em seguida, aparecem lingotes de alumínio, alhos e vinhos. As aquisições de produtos argentinos cresceram 70% este ano em comparação ao ano anterior, o que não constitui uma “ameaça” para o comércio exterior. “Se a indústria está importando insumos, significa que existe mercado para seus produtos. As maiores economias do mundo apresentam vigor tanto na exportação como na importação. Através das importações, os empresários têm a oportunidade de conhecer parceiros, estreitar relacionamentos e passar a vender seus produtos para o mercado argentino. O erro é o isolamento”, ressalta.

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Novos investimentos

Com uma postura mais amigável ao capital estrangeiro, a Argentina voltou a atrair multinacionais interessadas em investir. Com duas fábricas de ônibus naquele país, a brasileira Marcopolo já sentiu mudanças positivas com as novas políticas adotadas por Macri. A empresa, que tinha a meta de exportar 100 unidades de ônibus para o mercado argentino neste ano, já viu os pedidos aumentarem para 150.

A brasileira JBS, a maior processadora de carne do mundo, voltou a se interessar em expandir seus negócios por lá. Prejudicada pelas restrições de exportação de carne bovina impostas pelo Governo anterior, a companhia fechou quatro das cinco unidades de abate no país. Agora planeja retomar as atividades nas unidades paralisadas.
O fim do controle cambial, a retirada das travas comerciais e a expectativa de uma retomada do crescimento fizeram também despertar o interesse dos empreendimentos que ainda não têm presença no território vizinho. De acordo com a consultoria argentina Abeceb, muitas empresas brasileiras sondaram o mercado nos últimos meses, parte disposta a expandir os negócios, mas outras parcelas querendo estrear naquele país, de olho na área de infraestrutura e energia.

Nos últimos anos, o contexto político-econômico de Buenos Aires diminuiu o ânimo dos brasileiros para apostar na terra dos hermanos. Desde 2012, os investimentos de cá para lá caíram de US$ 618 milhões para US$ 109 milhões no ano passado, segundo dados do Banco Central.

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Esse movimento também se refletiu nas dificuldades de importar e exportar. Por isso, cerca de 50 organizações brasileiras deixaram a Argentina nos últimos quatro anos, segundo o presidente do Conselho da Câmara de Comércio Argentino, Alberto Alzueta.

“As empresas não conseguiam atingir os resultados programados”, explica Azueta. Já as que permaneceram tiveram que fazer alguns ajustes para sobreviver. Hoje, cerca de 250 empresas brasileiras têm filiais argentinas. “Maurício Macri conseguiu em seis meses reverter as expectativas no país.
Os problemas existem, mas a perspectiva mudou, assim como o humor no ambiente de negócios”, explica.

Segundo a Abeceb, nos primeiros quatro meses deste ano, negócios locais e internacionais já anunciaram projetos em um total de US$ 5,6 bilhões. Na opinião de especialistas, a Argentina voltou ao cardápio de países atraentes na América Latina, mas ainda está longe de se tornar artífice de uma onda de novos investimentos. “São decisões que levam tempo, e a Argentina ainda tem problemas a serem resolvidos. Mas nesse período teve uma postura muito clara em relação às mudanças econômicas, e isso é música para os ouvidos do mercado”, frisa o economista Mauro Rochlin.

O cientista social Marcos Troyjo, também economista, compartilha da opinião. “Os investidores que projetam suas análises para a Argentina aguardam o resultado do primeiro ano do Governo. O acervo de realizações até agora é positivo, mas o país ainda não apresentou à comunidade de investimentos quais são os grandes projetos, sobretudo no campo da infraestrutura. Tampouco se haverá de fato uma mudança de natureza no Mercosul. O próprio governo Macri entende que neste primeiro ano o grande objetivo é colocar a casa em ordem. Se isso for bem-feito, a fase de investimentos pode tardar um pouco, mas será mais intensa e duradoura”, afirma.

A maior diferença entre os dois países é a mensagem de seus governos sobre como tratarão a crise, e a sinalização de Macri tem sido mais bem recebida. Com mais certezas do que incertezas, o mandatário consegue convencer os investidores a destinar capital para o seu país, apesar da situação macroeconômica.

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