21.6 C
Vitória
sexta-feira, 19 abril, 2024

Doação de órgãos: O maior gesto de amor pela vida!

Altruísmo presente no gesto de doação de órgãos transforma a vida de pessoas e amplia a solidariedade humana

*Por Flávia Fernandes
Imagens e vídeos: Fábio Vicentini 

Mais de mil pessoas estão esperando doação de órgãos no ES e, a cada doação, 10 pessoas podem ser beneficiadas. Num mundo em que a cultura do egoísmo se destaca, é curioso saber o que move essas pessoas que se diferenciam por não enxergarem menos valor na vida de um estranho … Mesmo que em meio à dor extrema da perda de um ente querido. A atitude da doação de órgãos ocorre no momento da morte e, apesar da grande dor e angústia, é preciso tomar uma rápida decisão.

- Continua após a publicidade -

Assim ocorreu com o casal Mitsi Mary de Almeida Rocha Rossi e Joacyr Braz Rossi, quando perderam o filho de apenas 20 anos num acidente de moto. Após a angústia e o sofrimento de terem de aceitar a partida do jovem, tiveram um grande ato de amor ao permitirem a doação de duas córneas, dois rins e o fígado. Cinco vidas foram salvas e a doação, autorizada em 2005, se propaga ainda hoje, pois a criança que recebeu uma das córneas, agora com 19 anos, conseguirá concluir o curso superior em dezembro deste ano. Na época, a revelação da identidade de transplantados e doadores era permitida, mas hoje isso não é mais possível, a fim de garantir a segurança de todo o processo. Sem a doação de órgãos, no entanto, esse capítulo de vida não teria sido escrito de forma tão bela e incentivadora.

Semeadura e Colheita

Outro capítulo foi a necessidade do pai Joacyr Rossi precisar de um transplante de fígado anos após a doação de órgãos do filho, mostrando que a vida é esse viés entre o inesperado e as surpresas, numa espécie de semeadura e colheita das ações que fazemos.

Após um ano e dois meses na fila de espera, Joacyr conseguiu ser transplantado e divulga a causa da doação de órgãos a outras pessoas juntamente com sua esposa Mitsi Mary.
“Sentimos uma necessidade de multiplicar o gesto. É uma forma de gratidão pela vida e isso nos move, nos faz querer o bem de outras pessoas ajudando-as com a experiência que tivemos, com acolhimento e repasse de informações. Doamos os órgãos de nosso filho e recebemos um fígado para o pai”, pontua Mitsy.

Transformação

Doação de órgãos: O maior gesto de amor pela vida!Após oito anos de tratamento de diálise, sendo 5 horas por dia, três vezes por semana, o personal trainer André Castro Teixeira conta como a descoberta de uma doença o transformou numa pessoa mais abnegada. As marcas deixadas em um de seus braços revelam que a luta foi grande, mas não maior que sua fé. O personal manteve a confiança e nunca deixou de trabalhar, mesmo quando passou pelas sessões de diálise.

“Não me desesperei. Acredito que nada seja por acaso na vida. Tive uma doença congênita e fui fisiculturista por 25 anos. Tive uma dieta rígida em proteína e baixo índice de carboidrato. Houve sobrecarga renal e descobri a importância da doação de órgãos assim”, recorda André, que recebeu a doação de um rim de um desconhecido

No Brasil, a doação de órgãos só pode ser realizada com permissão dos familiares, pois é preciso assinar um termo de autorização. Daí a importância de se deixar claro, entre familiares e amigos, a intenção de doar. A partir da autorização da família, inicia-se um processo de identificação dos receptores compatíveis e são coletados exames para que a doação seja lançada no Sistema Nacional de Transplantes. Identificado um doador compatível, é feito um contato com quem precisa do transplante e, em paralelo, uma equipe de captação de órgãos é direcionada ao hospital onde o doador se encontra.

“O processo de doação de órgãos é bastante rígido e burocrático e isso atesta uma segurança muito grande. No caso de menores de 18 anos, por exemplo, é obrigatória a assinatura do pai e da mãe. Quando um dos pais mora no exterior, é preciso ir a um juiz conseguir autorização para a doação. Pessoas acima de 18 anos só podem ter o órgão doado com a assinatura de um familiar. Se o paciente for considerado ‘não identificado’ ou não aparecer nenhum familiar no hospital, mesmo sendo diagnosticada a morte encefálica e tendo um órgão viável para doação, nela não ocorre até se conseguir a assinatura de algum familiar para autorizar”, explica o médico João Siqueira, coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais.

Medo

Os membros da CIHDOTT passam por constantes treinamentos e, entre outras importantes tarefas, há uma muito difícil e essencial: saber comunicar às famílias, de forma adequada, sobre a morte do ente querido e a oportunidade para a doação de órgãos. Os cursos de preparação dos profissionais são realizados no ambiente intra-hospitalar com uma equipe multidisciplinar, para ampliar os conhecimentos sobre a doação de órgãos.

Doação de órgãos: O maior gesto de amor pela vida!Como ainda há muito medo e dúvidas em relação à doação, é muito importante ter informações suficientes para ajudar a ampliar a adesão das famílias a esse ato capaz de salvar muitas vidas. O principal mito é o de que os órgãos serão removidos com a pessoa ainda viva. “Há esse receio. Muitas pessoas pensam que todos os órgãos poderão ser doados sem autorização e criam coisas de filme de terror. Isso é impossível de ocorrer no Brasil, pois só vai haver a captação dos órgãos se um familiar autorizar”, garante João Siqueira.

O Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos é celebrado em 27 de setembro, mas a relevância do assunto ultrapassa a data comemorativa. Entre as várias ações, o Instituto Unimed Vitória realiza, há três anos, uma Campanha de Doação de Órgãos para valorizar a causa e informar sobre a importância do gesto. O tema da iniciativa em 2018, “É importante saber. É importante falar”, confirma a necessidade de as pessoas expressarem, em vida, o desejo de doar órgãos.

Com a criação da hashtag #quefiquedito, a Campanha de Doação de Órgãos da Unimed Vitória chegou a 650 mil visualizações. Foram mais de 1.500 publicações sobre o tema nas redes sociais feitas por influenciadores, bloggers, jornalistas, colaboradores da cooperativa e cidadãos engajados com a causa. A campanha aconteceu durante todo o mês de setembro.

“Nossa cooperativa tem um compromisso em defesa da saúde e da vida. Sabemos da dificuldade em se conseguir doadores e da falta de informação em relação ao tema. Por isso, é tão relevante desenvolver uma iniciativa como essa, com o objetivo de conscientizar e sensibilizar para a importância de ser um doador de órgãos e de deixar isso claro aos familiares”, reforça Márcio Almeida, diretor-presidente da Unimed Vitória.

Números

Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) mostram que, somente no Espírito Santo, 936 pessoas aguardam por um transplante de rim, 73 de córnea, 44 de fígado e cinco por um transplante de coração. No Brasil, a fila de pacientes aguardando por um gesto de generosidade e amor ultrapassa a casa dos 47 mil. Aqui no Estado, até junho deste ano, 66 pessoas não resistiram à longa espera.

Um fato curioso é que a chance de uma pessoa precisar entrar na fila de transplante é cinco vezes maior do que a chance de virar um doador de órgãos. O motivo é que, para a pessoa ser doadora, terá de sofrer morte encefálica ou algum evento cerebral, como AVC ou traumatismo craniano. No caso de um infarto, é possível doar órgãos, exceto o coração.

“É por isso que toda família que entra na fila de espera vira uma apoiadora da causa e declara que não sabia que era tão importante a doação de órgãos. Mas eu acho que a gente não precisa esperar ficar na fila para apoiar a causa”, pondera João Siqueira.

Todo dia é dia de salvar vidas e as equipes de captação de transplantes têm plantão 24h, de segunda a segunda. “Elas são direcionadas aos hospitais assim que sai o resultado das compatibilidades. Algumas vezes, pode ser que não se encontre nenhum receptor dentro do nosso Estado e aí é feita uma oferta nacional por meio do Sistema Nacional de Transplantes. Após a captação, inicia-se um outro processo que é o de envio do órgão para que ele chegue em tempo hábil de ser transplantado no receptor”, explica o cirurgião vascular Eric Gaigher, membro do Núcleo de Desenvolvimento Cooperativista da Unimed Vitória.

É por isso que, desde o ano passado, por meio de uma portaria, foram determinadas as prioridades de decolagem e pouso das aeronaves comerciais que estiverem levando órgãos para serem transplantados. “Os aviões da FAB também apoiam os processos de captação e doação, como missão, para buscar e levar o órgão em tempo hábil de ser transplantado”, assinala o médico.

ONG

Após seis anos à espera de um fígado, a vida do paulistano Adauto Vieira de Almeida, presidente da Associação Pró-Vidas Transplantes, “capixabou”. Ele só conheceu o Espírito Santo devido à necessidade do transplante hepático. Se fosse esperar em São Paulo, era provável que, pela demora, não resistisse.

Adauto criou uma organização sem fins lucrativos que trabalha para o aumento das doações de órgãos e tecidos no Espírito Santo. Uma forma de gratidão pelo ato de amor que um desconhecido fez por ele e também pela necessidade de levar conhecimento e apoio a outras pessoas que hoje esperam por um órgão.

Com o trabalho da Associação Pró-Vidas Transplantes, foi possível levar mais conhecimento às pessoas que estão na fila dos transplantes e ajudá-las a ter mais qualidade de vida. Para Adauto, é essencial inserir a temática da doação no cotidiano, dentro das escolas e faculdades de Medicina, e também desfazer mitos que circulam entre a população.

“Fiz o transplante no dia 25 de dezembro, uma data muito especial e isso marcou minha vida, pois passei por sérios problemas de saúde, chegando ao coma. Considero um milagre estar vivo hoje e isso me motiva a querer ajudar mais e mais pessoas que passam pela experiência do transplante”, comenta Adauto, cujo lema de vida é conscientizar a população sobre a importância de ser doador de órgãos para salvar vidas.

Ele informa que uma das dificuldades mais comuns da família na hora da doação é aceitar a morte, pois surge uma dúvida se realmente o paciente faleceu, principalmente, no caso da morte encefálica. “Os familiares veem o ente querido respirando por meio de aparelhos e nutrem uma esperança de vida. No entanto, decretada a morte encefálica, não há mais vida e é preciso tomar a decisão quanto à doação dos órgãos”, analisa.

Doação de órgão

O médico João Siqueira explica que o processo para determinar a morte encefálica é bastante rígido. “É necessária a realização de dois exames clínicos por médicos diferentes, que constatam o óbito do paciente. E ainda se faz um exame complementar que diagnostica que não há mais fluxo no cérebro do paciente, logo, com essas avaliações rigorosas, têm-se a certeza de que a pessoa está realmente morta. Feitos esses três exames, dois clínicos e um exame complementar, é dado o diagnóstico de morte encefálica.

Só depois disso é que a família é entrevistada sobre autorizar ou não a doação”, explica.
Um dado sobre o insuficiente número de doadores repassado por Siqueira é de que 40% das famílias acabam negando a doação de órgãos de seus parentes, seja por falta de esclarecimento, por causa da qualidade do atendimento/abordagem ou mesmo por conta de alguns preceitos religiosos. “É uma porcentagem alta. Sempre que a família fala que não vai doar devido à religião, a gente aceita e não discute, mas o fato é que não existe nenhuma religião que seja contra a doação de órgãos”, esclarece o médico.

Doação de órgãos: O maior gesto de amor pela vida!Acostumado a salvar vidas, o cirurgião Jailson Tótola passou pela experiência de esperar por um fígado. Há 35 anos, quando ainda era um médico residente, teve hepatite C devido a um acidente com um paciente que estava tratando. A doença acabou evoluindo para um tumor maligno, cujo tratamento era possível apenas com o transplante hepático.

“Você toma aquele choque quanto à necessidade de se fazer um transplante, se prepara, faz todos os exames. Fiz tudo pelo SUS e depois entrei na fila à espera de um fígado. Quando você fica sabendo disso é um drama, sua cabeça dá um nó. Mesmo acostumado a mexer com doenças, por ser médico, nunca esperava por um transplante. O médico acha que nunca irá ficar doente e é bom que o pessoal veja que o médico também fica doente”, conta Jailson Tótola.

O médico fala sobre a angústia da espera. “A gente fica esperando um doador e, se não vier, a gente sabe que vai morrer, não tem outro jeito. Graças a Deus, uma família tomou a decisão de fazer a doação após a perda de um ente querido. Considero essa atitude um dos maiores gestos de amor que uma pessoa pode fazer por outra. Peço encarecidamente às pessoas que avisem às famílias quanto à intenção de ser um doador de órgãos. Ajude a salvar vidas. Eu só estou aqui hoje falando porque alguém me doou um órgão. Sou eternamente grato”, conclui o cirurgião, que adotou o hábito de usar uma camisa com uma frase que o faz sempre lembrar de sua luta e ainda ajuda a divulgar a causa: “um transplante mudou a minha vida”.


Saiba mais:

12 perguntas mais frequentes sobre doação de órgãos

Entre para nosso grupo do WhatsApp

Receba nossas últimas notícias em primeira mão.

Matérias relacionadas

Continua após a publicidade

EDIÇÃO DIGITAL

Edição 220

RÁDIO ES BRASIL

Continua após publicidade

Vida Capixaba

- Continua após a publicidade -

Política e ECONOMIA