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quarta-feira, 24 abril, 2024

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Os intensos acontecimentos no cenário político nacional este ano – que incluíram um impeachment presidencial, quedas de ministros, prisões no alto escalão da República e uma disputa sem precedentes entre Legislativo e Judiciário –, somados à diferença entre o tempo político e o econômico, são capazes de agravar muitas situações.

Entre elas, a incerteza sobre a aprovação das reformas tributária, trabalhista, previdenciária e política, defendidas por um coro de especialistas como essenciais à retomada do crescimento econômico – ainda que haja discordância acerca de quais devam ser as novas regras.

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“Como irão agir os representantes do povo diante dos diversos pontos polêmicos? É um questionamento oportuno”, avalia o economista e professor da Ufes Antônio Marcos Machado. “O quanto irão mexer nos direitos trabalhistas? Alguém terá coragem de defenCenas dos próximos capítulosder a cobrança de impostos proporcional ao rendimento? Quais os cargos e as regalias que serão cortados? O quanto irão diminuir as máquinas públicas? Porque, sem essas medidas, de nada adiantará a PEC 55, que limita o teto de gastos federais por um período de 20 anos”, enfatiza Machado.

Para o economista, o âmbito interno continuará muito ruim para o Brasil, pela falta de resolutividade das questões política e econômica. Porém, do ponto de vista global, uma Europa com muitos problemas – refugiados, Brexit, etc. – inibe a atração de investimentos. A América Central também não se mostra muito atrativa para o capital investidor, pois a pouca estabilidade trazida por Venezuela, Equador, Haiti e agora Cuba, sem Fidel Castro, não motiva os grandes investidores a lá colocarem o seu dinheiro. Antônio Marcos avalia ainda que os Estados Unidos, “que sempre são um porto seguro”, têm um novo comandante (Donald Trump) que não inspira muita confiança.

“Tudo isso favorece o Brasil, que assim se mostra uma opção interessante, e também o Espírito Santo, um dos pouquíssimos estados que têm equilíbrio fiscal”, analisa. No entanto, alerta, a economia capixaba continua a depender muito de questões logísticas, como a finalização da dragagem do Porto de Vitória, a extensão da ferrovia de Vitória ao Rio de Janeiro e a duplicação da BR-262.

Quem também defende a necessidade de concretização das medidas econômicas federais é o mestre em Finanças e consultor empresarial Abel Fiorot Loureiro. “Se o ajuste fiscal e a reforma da Previdência forem realizados, com certeza farão a economia brasileira crescer nos próximos anos, pois darão maior confiança ao capital estrangeiro e assim aumentarão o fluxo de investimentos para o país. São propostas polêmicas, sem apelo popular, mas necessárias para criar o arcabouço que possibilite crescer com sustentabilidade. Temos de dar um basta ao ‘voo de galinha’”, sustenta.Cenas dos próximos capítulos

No âmbito global, a previsão de crescimento da economia para este ano é de 2,9%, contra 3,1% em 2017 e 3,3% em 2018, destaca Loureiro, tomando como base dados da consultoria Bloomberg. “Esse crescimento da economia mundial, apesar de menor do que o dos últimos anos, é animador. Os EUA têm grande influência nesses números, e a previsão para a economia norte-americana é de recuperação, com crescimento de 2,2% tanto para 2017 quanto para 2018.”

As projeções para a América Latina (AL) – cujo PIB deve fechar o ano com queda de 1,9% – também são de crescimento para os próximos dois anos: 1,7% em 2017 e 2,5% no ano seguinte, acrescenta Abel. “O Brasil deverá crescer 1% em 2017 e 2% em 2018, contribuindo para aumentar aqueles índices. Mas é preciso ter em mente que, mesmo com a volta do crescimento em 2017, este ano nosso PIB deve fechar em queda de -3,3% e para voltarmos ao estágio anterior da economia levará um tempo.”

Descortinando o cenário Capixaba
O ES se tornou referência nacional por ter estabilizado a s c ont a s públ i c a s . Mantendo essa trajetória, o orçamento estadual aprovado para 2017 será de R$ 16,19 bilhões – 5,04% menor do que o de 2016. Em diferentes oportunidades, o governador Paulo Hartung tem reiterado que não existe outro caminho a não ser esse. Segundo ele, se não houver um “exercício responsável de liderança coletiva”, os problemas vão se agravar. “O argumento de que chegamos ao fundo do poço é balela. A situação pode ficar muito pior, basta ver aonde chegou a Venezuela. Estamos à beira do precipício, sim, e para sair dessa encrenca, só reorganizando as contas públicas. O Plano Real fez isso, e choveu dinheiro no Brasil. Investidores estrangeiros confiavam no país”, relembrou. Hartung ressalvou, porém, que esse equilíbrio está diretamente ligado à reforma da legislação trabalhista e previdenciária. “Somente este ano, aqui no Estado, foi preciso colocar R$ 1,6 bilhão para cobrir o rombo da previdência do Executivo”, disse o governador.

Para o secretário de Estado da Fazenda, Paulo Roberto Ferreira, 2017 será extremamente desafiador para a gestão das contas públicas estaduais. “O Espírito Santo está organizado, e esse é o nosso diferencial. Precisamos transformar esse cenário de crise em novas oportunidades de negócios para o Estado e de geração de emprego e renda”, afirmou, destacando que o ajuste fiscal precisa continuar. “O Brasil deve fechar 2016 com uma queda de 3,5% do PIB. E todos nós sentimos esse recuo, pois a arrecadação de estados e municípios é reflexo de como a ‘roda da economia’ está girando. Portanto, é preciso continuar reduzindo despesas não essenciais, reforçando a arrecadação tributária e olhando para o futuro com o compromisso de que nossos esforços de agora irão nos ensinar a lidar com outros desafios futuros”, completou Ferreira.

Nesse contexto, o governador Paulo Hartung destaca que tornar o Estado competitivo é uma estratégia que precisa ser adotada em conjunto. “Tem que ser uma meta mobilizadora de todos nós. Precisamos ter a consciência de que em relação à competitividade ainda há muito a se fazer: terminar a obra do aeroporto, conseguir uma estrutura portuária melhor, garantir a segurança energética e um transporte de dados eficiente.”

Embora prefira não arriscar nenhum número definitivo para o crescimento do Espírito Santo no próximo ano, o economista e consultor da Vieira & Rosemberg, Clóvis Vieira, enumera alguns fatos que considera positivos: “Para o ES não fecho perspectivas reais de crescimento, mas temos o anúncio da Petrobras de leilões de 34 poços de petróleo no ES, e da Vale, de que será construída a ferrovia Tubarão/Porto Central, favorecendo com isso a retomada da Samarco – o que, acredito, poderá impactar positivamente o emprego, a renda e o crescimento.”

A seu ver, este Natal, embora tenha expectativa de queda nas vendas em relação a 2015 (que já havia recuado 7% ante 2014), talvez possa surpreender e aquecer o conhecido ciclo de reposição de estoques no começo de 2017. Mas, de modo geral, “esperamos crescimento econômico baixo no primeiro trimestre. Ainda assim, não deixa de ser crescimento, algo que não vemos há tempos e que poderá colaborar para a retomada. Sem surpresas vindas de fora, 2017 será um ano para recompor o fôlego e, aos poucos, lentamente, deixar o fundo do poço para trás”, afirma Clóvis.

O economista aponta a continuidade da Operação Lava Jato como sendo o fator imponderável no cenário político, a exemplo dos últimos três anos. “O mais provável, entretanto, é que se consiga empurrar a votação da cassação da chapa Dilma-Temer para o segundo semestre, quando o Planalto poderá indicar dois novos nomes para compor o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), reduzindo assim as chances de eleições indiretas para a Presidência. A reforma da Previdência será o tópico mais importante do ano, sem dúvida; e a boa notícia é que há chances de que ela seja aprovada, mesmo com algumas concessões”, finalizou.

Indústria
Além da aprovação da PEC 55, avanços na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inclusive com a aprovação da Lei de Terceirização, e a revisão da Previdência Social são imprescindíveis para a retomada do crescimento da economia, na avaliação do presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Marcos Guerra. “A sociedade brasileira sabe que essas medidas precisam ser aprovadas com urgência. Além disso, o BNDES e os bancos estatais precisam voltar a financiar a indústria nacional”, destaca o dirigente, que acredita que a indústria e a economia nacionais voltem a crescer em 2017, mesmo que de forma tímida.

Segundo estudo divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no início de dezembro, o setor industrial terá recuperação lenta em 2017, podendo  superar três anos de queda no segundo semestre e alcançar crescimento de 1,3% no seu PIB, enquanto o PIB nacional deve avançar 0,5%. Mas, para Marcos Guerra, muitos “ses” precisam entrar nessa conta. “Se o dólar se mantiver na média dos R$ 3,40, pode favorecer a indústria nacional, e se a indústria do aço voltar a produzir no Estado no segundo semestre, podemos crescer além do projetado para o país”, afirma. Para ele, um dos principais obstáculos ao crescimento da indústria capixaba será a falência de municípios e estados brasileiros. “Devido à recessão, que assola diversas cidades, os setores que buscam o mercado nacional podem perder vendas”, argumenta. Ainda assim, ele faz uma projeção otimista: “Nossa estimativa para 2017 é de crescimento de 1% no PIB geral do ES e de 3% no PIB da indústria capixaba.”

O Índice de Confiança do Empresário do Comércio cresceu 24,1% em dezembro deste ano, na comparação com dezembro de 2015, e atingiu 99,1 pontos em uma escala de zero a 200. Apesar disso, o indicador manteve-se estável em relação a novembro de 2016, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

No Espírito Santo, o Índice de Confiança dos Empresários do Comércio (Icec) de Vitória apresentou altas consecutivas nos últimos quatro meses, mas, segundo o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Espírito Santo (Fecomércio-ES), José Lino Sepulcri, ainda é preciso ter cautela. “A melhora da confiança na reação do mercado para os próximos meses é uma expectativa que ainda não se traduziu em resultados na economia real, cuja recuperação está mais lenta do que se esperava”, comentou.

A melhora no índice de confiança aumenta também a disposição do empresário para investir e contratar, reduzindo o desemprego que puxa para baixo a intenção de consumo das famílias. “E assim, lentamente, as vendas poderão se recuperar, e o empresário, investir e contratar mais. Essa tendência deverá se fortalecer à medida que as vendas do comércio forem se recuperando”, defende o presidente da Fecomércio-ES.

Quanto ao comércio exterior, que tem grande peso na economia capixaba, o presidente do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Estado do Espírito Santo (Sindiex), Marcílio Machado, avalia que este ano foi dos mais difíceis para o setor, com uma tímida melhora no terceiro trimestre sobre o anterior: as impor-tações cresceram 7% e as exportações, 4%. “Acreditamos que com a aprovação do teto dos gastos governamentais e a reforma da Previdência, as perspectivas para 2017 serão melhores”, aposta Marcílio.

Crédito
O economista Clóvis Vieira destaca que o quadro do crédito segue desafiador e seu encolhimento ao mesmo tempo alimenta e é alimentado pela crise que assola a economia brasileira. Apesar da diminuição tanto na demanda quanto na oferta, o BNDES segue como um importante player no mercado de crédito, sendo responsável por 37% dos financiamentos às empresas, próximo ao recorde histórico. “Em suma, com a política fiscal neces-sariamente menos expansionista no ano que vem (déficit primário menor), caberá ao BC (Banco Central) o papel de fomentador da atividade, caso a inflação o permita. Até porque medidas que melhorem o ambiente econômico – as estruturais, mesmo, como reforma trabalhista, simplificação tributária etc. – estão, por ora, muito longe da mesa de discussões”, defende o analista.

A crise exige cautela e planejamento, mas é neste momento que as soluções inovadoras costumam aflorar nos setores produtivos, alega o diretor-presidente do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), Aroldo Natal Silva Filho. Segundo ele, a economia deve voltar a respirar nos próximos meses e aumentar da competitividade das empresas capixabas. Em 2016, o montante de recursos liberados em operações de crédito pelo Bandes deve fechar em R$ 180 milhões, enquanto a previsão para 2017 é de ultrapassar os R$ 200 milhões. “Além de financiamento de máquinas e equipamentos (inclusive importados), investimentos na implantação, na expansão e na modernização de parques fabris e tecnológicos das empresas (englobando todo processo produtivo do setor de rochas) com limite de até R$ 15 milhões, há opções para os empreendedores do setor investirem em áreas estratégicas, por meio de programas específicos de fomento e crédito”, destacou o diretor.

Mercado de trabalho
Quando a economia desacelera, a taxa de emprego é a última variável a apresentar piora. Em contrapartida, nos ciclos de recuperação é a que mais demora para se reerguer. Uma realidade que justifica a avaliação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) de que o mercado de trabalho só dará sinais de melhora no segundo trimestre do ano que vem e apenas em 2018 a massa salarial deve começar a se reaproximar dos níveis de 2015, quando registrou seus melhores resultados. “O desemprego sobe até o primeiro trimestre de 2017, e daí em diante começa a cair”, declarou o pesquisador do Ibre/FGV, Tiago Cabral Barreira.

No Espírito Santo, o desemprego atingiu no terceiro trimestre a taxa mais alta desde 2012: 12,7%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. Esse resultado também ficou acima da média do Brasil no período, que foi de 11,8%. O Estado foi o que teve a segunda maior retração, ficando atrás apenas de São Paulo (12,8%). No país, o desemprego apurado pela Pnad Contínua deve atingir o pico de 12,4 % no fim de março de 2017.

A consultora Etienne de Castro Tottola defende que o mercado irá reagir melhor no segundo semestre porque o cenário estará mais claro nas questões políticas e econômicas e poderá apresentar mais estabilidade, incentivando novos investimentos. “Consequentemente, criando (ou recriando) os postos de trabalho. Não veremos vagas em abundância em 2017, mas as oportunidades serão mais numerosas do que em 2016.”

Já quanto aos salários, não deverão ocorrer grandes variações. Isso porque há um grande contingente de pessoas qualificadas aguardando oportunidade para entrar ou retornar ao mercado, projeta a especialista. “O volume, a concorrência e o grau de capacitação aumentada e disponível manterão os salários nos patamares atuais ou até menores. A lei da oferta e procura é que regerá essas questões”, diz ela, concluindo com um alerta. “Com o avanço da tecnologia e as novas relações de trabalho, os desafios serão ainda maiores. A produtividade será a tônica e a entrega com maior qualidade, menor custo e em menos tempo permanecerá como um dos mais importantes diferenciais. O próximo ano será, com certeza, melhor do que 2016, mas que não se esperem mudanças rápidas, pois é um processo de reconstrução do mercado e do trabalho.”

O presidente da Findes, Marcos Guerra, reitera que o país não será capaz de abrir postos de trabalho em um ano. “Nos próximos três ou quatro anos a realidade ainda será essa. Nosso Estado, em 2015, perdeu quase 45 mil postos de trabalho, segundo o Caged, e também deixou de gerar uma média de 30 mil novos, que vinha se mantendo. Então, o déficit em 2017 será de 75 mil. Teremos que arrumar ocupação para essas pessoas”, destaca.

Municípios
O economista Antônio Machado defende que as prefeituras terão três desafios: realizar parcerias público-privadas (PPPs), buscar permanentemente o equilíbrio fiscal e conciliar saúde e educação. “As PPPs são uma solução inteligente não apenas para prefeituras sem dinheiro, mas também para as que pretendem ser mais ágeis e melhorar a qualidade da sua gestão. O equilíbrio fiscal é uma necessidade indiscutível; e a saúde precisa estar presente sempre, inclusive na escola – visão, nutrição, exames periódicos. Os prefeitos devem usar os dois orçamentos de forma mais integrada, e não como se fossem duas ilhas”, enfatiza.

O tombo recorde na receita dos municípios capixabas em 2015, com uma arrecadação R$ 1,23 bilhão inferior à registrada em 2014, segundo dados do Anuário Finanças dos Municípios Capixabas, da Aecquus Consultoria, s e mant e ve es t e ano. De janeiro a abril, os repasses estaduais relativos à parcela

municipal do ICMS caíram 8,5%, em relação ao mesmo período de 2015. Já as transferências da União para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) recuaram 10,7% (– R$ 1,48 bilhão) de janeiro a maio diante do mesmo período do ano passado, praticamente igualando-se ao repassado em 2013 e R$ 36,1 milhões menor que o efetuado em 2014.

Segundo o presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), Dalton Perim, além dessas perdas, dados apresentados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) indicam que dos R$ 6,1 bilhões em emendas impositivas destinadas aos municípios capixabas em 2015, apenas 13,5% (R$ 828,3 milhões) foram efetivamente pagos. Ele admite que falta planejamento adequado. “Muitas vezes o parlamentar consegue empenhar o recurso, mas até a prefeitura ajustar o projeto dentro da legislação, o município acaba perdendo. E aí o empenho é cancelado”, explica.Cenas dos próximos capítulos

Perim diz que a Amunes já vem há algum tempo alertando os prefeitos para os desafios de 2017. “Nesse cenário desfavorável, é preciso aumentar a arrecadação própria e se organizar para estar preparado quando e se aparecerem oportunidades de captação de recursos. Será imprescindível aumentar a eficiência do poder público e, para isso, quanto mais os gestores debaterem problemas e soluções de forma integrada, melhores e mais rápidos serão os benefícios”, finaliza.

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